Fortuna Critica

Peixe estranho por Luiz-Olyntho Telles da Silva

Leonardo Brasiliense


PEIXE ESTRANHO
Luiz-Olyntho Telles da Silva
www.facebook.com/luizolyntho.tellesdasilva
Abril de 2023

Há quem faça música a partir dos textos, como aqueles que musicam poesia ou prosa, a exemplo de Wagner musicando a história de Tristão e Isolda, ou O anel dos Nibelungos, uma história anônima retomada por Friedrich Hebbel, entre outros. Lembro ainda de Rossini, compondo a partir da história também anônima de Guilherme Tell, depois romanceada por Schiller, e também de Carlos Gomes compondo O Guarani a partir da obra de José de Alencar. Mas há também aqueles que transformam música em prosa. Para não ir longe, lembremos de O inverno e depois, de Luiz Antonio de Assis Brasil, escrito a partir do Concerto para violoncelo e orquestra, de Dvo?ák, A morte e a vida dos meninos lobos, do jovem Lucas de Melo Bonez, a partir do oitavo álbum do grupo finlandês Sonata Arctica: Pariah?s child. E agora, em edição do ano passado, este interessante Peixe estranho, do Leonardo Brasiliense, inspirado na canção da banda britânica Radiohead, Weird Fishes. Barack Obama também adorava esse rock que fala das fantasias das profundezas.

No romance de Brasiliense, estamos de volta à infância, brincando com bonecos. No caso, com bonecas. O nome do personagem, por si só, já lembra a meninice: Marvin. A referência é o Marvin dos Looney Tunes, um ser de outro mundo, um marciano cujo objetivo é destruir a Terra. Mas tudo indica não ser ele muito inteligente, pois Pernalonga sempre o vence.

Buscando clareza, não é que ele, Marvin, não seja adulto. Ele é! Tem um trabalho com o qual sustenta a si mesmo, muito provavelmente sustente suas duas ex-esposas, sustenta também suas paixões e, ao que tudo indica, tudo isso com razoável conforto. As facas de sua cozinha são, orgulhosamente, da famosa marca alemã Zwilling, as quais não deixariam nenhum Chef infeliz (embora, infelizmente, não sirvam para cortar o que precisa ser cortado). Por outro lado, que sabemos de seu trabalho? Nada! Nada! Nada! Mas sabemos que ele brinca com uma boneca de silicone (do tamanho de uma mulher de verdade!), que lhe troca as roupas, veste-a sempre na moda, passeia com ela, dorme com ela, eventualmente a beija e... conversa com ela. Sim, conversa com ela, diz coisas para ela e, o que é incrível, ouve suas respostas. Tivesse oito anos, pensaríamos em um amigo imaginário. E é interessante, também, que ele não só retoma ? em suas analepses ? as conversas com as duas ex, cada uma a seu tempo, como também frequenta um terapeuta. Sim, ele quer se conhecer, mas frequenta um terapeuta psi que ele saca. Compreende? Assim não adianta nada. Ele conhece suas tiradas bem como as premissas de seu raciocínio; melhor dito, supondo-se inteligente, ele imagina conhecer as tiradas e as premissas do raciocínio de seu psi. É por isso que ele não conta para o terapeuta suas coisas íntimas, as quais ele sabe que poderão comprometê-lo. Ele sabe, por exemplo, que se contar a origem do nome dado à sua boneca, Analice, tirado de uma menina por quem esteve apaixonado, lá pelos oito-dez anos, e que não lhe correspondia, terá de ouvir que está revivendo o trauma e gozando com isso. Uma coisa, aliás, que se o terapeuta soubesse o que faz, por certo não diria, pelo menos não assim, tão diretamente. Mas é verdade, está em jogo, nessa novela, a questão do saber. Marvin sabe que sua relação com Analice não está certa, mas, mesmo assim... ele a esconde da faxineira. Um dia, contudo, ele se esquece de guardar uma camisola de Analice e a faxineira a encontra, lava, passa, e acredita que Analice, nunca vista, existe. Essa existência, contudo, não é a mesma na qual Doc, o terapeuta, acredita. Aquela acredita na ficção e este na realidade. Para Marvin, por outro lado, quando a ficção começa a se aproximar da realidade ? e agora quero dizer, especificamente, de sua realidade psíquica ?, a caminho de desmascará-lo, ele inventa outra. É quando Analice passa a traí-lo com o carteiro, o que a condena à morte. Não lhe importa que o desaparecimento de Analice tenha sido fruto de um crime passional; talvez ela venha a contar apenas como mais uma ex. O importante é que agora ele está feliz e, mais uma vez, pronto para voltar a repetir sua vida infantil.

Uma beleza!

 

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